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3.10.08

Um dia na vida sem celular


Cremilda sentou-se e remexeu a bolsa onde estava o celular que emitia som de mensagens
-Ah essas parafernálias!
- Quem diria, você que disse que seria a última da face da terra a ter celular...que celular é o tamagoshi de adulto...
-Disse sim, mas você é testemunha, só tive o meu celular só depois que os índios do Xingu tiveram. Hum, deix´over ... É o Chris, “onde está meu carregador", ãnh... Ih!
- Que foi?
- Rá! Está aqui comigo, eu não disse que tenho uma dificuldade brutal com essas parafernálias? Confundi os carregadores!
- E agora?
-E agora, vou responder. “Paciência, tá comigo. Fica um dia na vida sem celular. Não vai morrer”
- Ih acho que vai morrer sim.
Cremilda começou a digitar
- Não dá mole não, que esses meninos estão muito mal-acostumados.
Cremilda pára de teclar
- As pessoas viveram séculos e séculos sem essas porcarias, agora morrem se não tiverem uma!
- As pessoas também não tinham luz elétrica, tevê, carro, telefone,computador antigamente... No século XX todas essas coisas passaram a ser essenciais... são os tempos, minha filha!
-Mas, tudo tem seu limite. Ele não vai deixar barato, quer ver?
Soa o sinal de mensagem de volta
- Você acredita, quer que eu pague um taxi para ele vir buscar o carregador no meu trabalho!
-Então melhor ele comprar outro, mais fácil e barato que o táxi.
-Hum, en-vi-an-do: “não é mais fácil comprar outro carregador”?
A resposta em poucos minutos:
- Ele diz que "esse tem que ser o original e que tem que ir no fabricante buscar, é no raio que o parta, e que sai mais barato o taxi ”
-Hum, não acredito!
Outro sinal.
-Ah que folgado esse meu filho!
-Que foi?
- Tá dizendo aqui que a culpa é minha e do Boa, de não ter dado um carro pra ele!
-Folgado mesmo heim, mas ele tá certo, a culpa é a de vocês terem ter deixado seu filho ficar assim. Deixava ele sem o carregador por hoje, só por isso.
- É ruim, heim?
- Manda usar o telefone fixo. Parafernália é que não falta. E seja firme, Cremilda, firme!
- Está bem, vou tentar. “Usa o telefone fixo”
Resposta:
- Ele diz que vai “precisar se comunicar da rua, é uma oportunidade de trabalho urgente”.
-Hum, logo hoje aparece essa “oportunidade de trabalho”? Ca-ô!
-Xi!!
-Que foi?
-Diz pra eu resolver logo que a bateria tá por um fio.
-Ninguém merece!
- ...
-Que foi?
- Agora é minha bateria também está com um pontinho!
- Estresse,  a tecnologia não é tão perfeita assim.
- Agora, eu é quem fico sem falar com ele, Rosilda!
- E não vai morrer por causa disso, vai?
- Não, mas...nunca se sabe. Posso até não morrer de ficar sem celular, mas ficar sem falar com ele o dia todo...
- Me poupe!Tem telefone fixo, tem público...Parafernália é que não falta.
- Não sei, além do mais ele não vai estar em casa...
-Quem diria, Cremilda Tomé, confessa,você também virou uma dependente eletrônica!
- Dependente não. Me admira você, que sempre defendeu essas modernidades!
- Acho modernidade ótimo, com moderação...e sem chantagem de filho mimado de vinte e cinco aninhos! Fala sério!
- Quando não se tem um filho...
- Argumento rasinho esse, heim?
- Vou ligar pra ele.Ih, acabou a bateria!
- Não tem problema, te empresto o meu...ué...quê...?
-Que foi?
- Deixei o celular em casa!
- Ué? Não tem telefone público, e não sei mais o que? Parafernalia é que não falta, hahahaha!!
- Cremilda, vou voltar.
- O quê ?Como, estamos no meio da ponte!
- Assim que o ônibus chegar no primeiro ponto.
- Está bem, mas não fique nervosa.
- Não, não estou, é que, é que a...verdade, não fico um dia na vida sem celular.
- E você já passou bastante dos vinte-e-cinco-aninhos, heim?

Rosilda voltou o rosto para a janela e fingiu apreciar a paisagem.


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