
- E lá vamos nós partindo pra o Ano Novo!
- Já reviu suas metas, Rosi? Você disse que ia fazê-las mais fáceis de cumprir.
- Sim, Lutar contra as manias e compulsões, por exemplo.
- Isso não é tão fácil. Mas... que manias e compulsões te incomodam?
- Não que me incomodem, mas escravizam. O celular, o celular é uma coisa escravizante, virou o filho que não tive. Se esqueço ou acho que perdi fico em pânico, neurose. Não pode ser assim.
- Não, Mas fazer o que? Ruim com ele, pior sem ele.
- Outra é juntar coisa, porque sempre tenho a sensação de que um mísero araminho de amarrar saco de pão vai fazer falta, ou um frasco, e por aí vai...
- Pior que um maldito dia você precisa de um desses miseráveis objetos. Um dia precisei de um arame para puxar um ziper, não tinha, tive que trocar de vestido.
- Mesmo assim temos que dar um pouco de crédito ao acaso.
- Pois é, por acaso nesse dia não havia uma alma pra me ajudar com o zíper.
- Acontece...
- Mas são boas as suas causas próprias.
- Roupas. Guardo achando que vou emagrecer o suficiente pra usar de novo.
- Autoengano puro.
- Combaterei sem tréguas o autoengano, nem que precise de autoajuda.
- Mas autoajuda é autoengano.
- Nem toda, E também quero participar mais de movimentos sociais, defesa de causas nobres...e você?
-Eu não tenho nem planos nem metas, Nem pra este nem pra ano nenhum,
- Nenhunzinho...?
- Cansei de ilusões, mas posso te dizer umas coisas que não farei nunca.
- Hum, já é alguma coisa.
- Não me verás nunca passeando com cachorrinho...
- Até que é algo que eu faria...
- Não me verás fazendo sinal da cruz ao passar por igreja. Nem dizendo "fica com Deus".
- Que novidade, você é ateia.
- Nem fazendo coraçãozinho com as mãos, nem mandando "beijos no coração".
- Me desculpe, você não está falando de você, mas de hábitos e compulsões coletivas.
- São as piores. Já viu a mania, se você vai fazer qualquer coisa, tipo ir ao supermercado ou ao médico, tem sempre um que saca logo um "boa compra pra você", "boa consulta para você", bom escambau a quatro.
- São só delicadezas, Cremilda. Tua lista do "não " tá extensa, heim? Ufa!
- Não farei plástica, nem exercícios...que venha o tempo!
- Aí tá radicalizando, tudo bem que você não curta modismos e convenções, mas exercício é saúde.
- Pode ser, mas deixa o tempo vai me consumir como consome qualquer animal. No meu tempo. Não adianta ficar adiando o inevitável.
- Cruz credo, eu quero mais é adiar ao máximo o inevitável..
- Egoísta, pensa nos que vão ter que te aturar caduca...
- Sempre há uma boa alma.
- Então é isso, que venham os próximos anos...
- Posso sugerir uma coisinha para você nos anos vindouros?
- Hum...
-Se eu fosse você, tentaria nos próximos anos ser menos negativa.
- Negativa... Você acha que sou negativa, Rosilda?
- Sim.
- É, quem diria...?
- Só estou colocando em prática o que prometi a mim mesmo, minha meta.
- O quê?
- Ser mais franca com as pessoas. No sentido positivo, sem perder a ternura, entende?
- Taí uma coisa que eu sou, franca. Sem medo de desagradar.
- Mas também não pretendo exagerar, como você.
-Vamos a essa Rosilda franca: sou negativa, e exagero, o que mais?
- Calma, Crê, você é meu batismo de fogo. Tipo saber até onde posso ir.
- Batismo de fogo... vamos lá, também sugeriria a você para o anos vindouros se livrar de pelo menos um dos três personagens que habitam em você: a Poliana¹ , o Cândido ² e a Joana D´Arc³. Será um tremendo avanço!
- Opa, veio com tudo!
- Franqueza se paga com franqueza.
- Sinto decepcionar. Não vou deixar de ser crédula, nem otimista e nem solidária. Imagina, Poliana, Joana D´Arc, quem me dera ! Você é imbatível em exagero mesmo, Cremilda!
- Já tive muitos batismos de fogo, você não tem ideia.
- ...
- Que foi?
- ...
- Ih, tem alguém aborrecida aí?
- Não, só repensei; acho que ainda não estou preparada o bastente pra o batismo de fogo.
- Talvez, mas foi você quem começou, lembra?
- Ok...
- Hu-hum, Então Feliz Ano Novo, Rosilda.
- Feliz Ano Novo, Cremilda...
1, Polyanna personagem da escritora Eleanor Porter, extremamente ingênua e boazinha; 2. Cândido, de Voltaire, personagem cujo otimismo é colocado à prova.3. Joana DÁrc heroína e santa padroeira da França.
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