Rosilda se encontra com Cremilda só na volta do trabalho. Estava com dedo do pé enfaixado.
- Nenhuma dor é tão pequena. Nunca se deve subestimar uma dor.
-Por que você está dizendo isso? Eu subestimei? Você me ligou e disse que só ia tirar uma unha solta...
-Foi.
- Está melhor?
-Lateja um pouquinho. Sempre se tiram lições das menores coisas.
-Também acho, mas passa a lição pra mim, não guarda pra você.
-Ninguém pode entrar em hospital público e sair a mesma pessoa. Mesmo que seja para arrancar uma mísera unha!
-Hospital público?
- Fui parar na emergência do HUAP.
-No HUAP, Rosi!
-.Você não conhece? Pois precisa! Pois é, fui lá e fiquei no meu canto, quietinha, esperando a minha vez, até que os acidentados mais graves fossem atendidos. Como era uma unha, coisinha à toa, esperei que eles fossem atendidos primeiro.
-Muito justo e nobre de sua parte.
-Tinha de tudo, estropiado, esfomeado, queimado, fraturado, gente em estado de choque, todos numa dignidade que só vendo, como se tivessem pudor, vergonha da dor.
-É mesmo, a dor parece que envergonha a gente, né?
-Pra passar o tempo, eu conversava com um e com outro, ouvindo suas tragédias, perguntaram quem eu era, eu dizia que era paciente também, era só uma unha solta, bobagem, logo resolvia, assim o tempo passou.
-Puxa, Rosi, isso me deixa até emocionada, nessas horas a gente conhece o quanto de solidariedade é capaz e o quanto a gente não a usa no dia a dia.
-Pois é. Imaginei a dor daquelas pessoas infinitamente maior que a minha, me sentia tão privilegiada por só ter uma unhazinha pendurada, era só arrancar e pronto. Até que o médico me notou.
-Aleluia!
-Mostrei o pé, “isso é uma coisinha rápida”, ele disse, e saiu. Pronto, imaginei que ia ficar mais umas quatro horas ali, mas que nada, ele voltou logo com uma injeção, daquelas!
-Xi...
-Era a anestesia local. Ele disse curto e grosso: “isso vai arder um pouco”.
- Ih...!
- Eu não tinha idéia do que queria dizer “um pouco”, minha amiga.
-E o que queria dizer?
-“Guenta firme!” Minha filha, ele levantou o meu pé no ar com firmeza e aplicou...
-sssss!
- Aplicou a injeção entre os dedos e na base da unha!
-Aii, aí você desmaiou, é claro!
-Pior que não, antes tivesse desmaiado. Perdi foi a dignidade, soltei um grito, um grito tão lancinante que sacudiu a sala, se bobear, ecoou pelo hospital todo.
-Rosi...!
-Sabe aquele grito incontrolável?
-Sei, já soltei um desses na montanha russa, pra nunca mais!.
-Pois é, esse mesmo. Antes ele tivesse arrancado a unha a frio.
-Capaz que até tivesse doído menos.
-Me senti a mais miserável das covardes, tantos estropiados! Vi as cabeças dos doentes se levantarem em minha direção. Uma reles unha, quem diria, diante de tanta tragédia humana!
-Que mico, heim?
-Logo me refiz, saí da maca e sorri amarelo para eles.Tudo que queria no mundo era não ser percebida.
-Mas foi, né? Não teve jeito.
-Fui, ao sair ainda ouvi a voz de uma velhinha muito doente, para mim: “melhoras, heim, minha filha!”.
-E você? -Agradeci, né, sou educada. Aí todos eles me desejaram boa sorte, em coro, com suas vozinhas fracas.
-Tem razão, minha amiga, nenhuma dor é tão pequena, nenhuma!
-Por que você está dizendo isso? Eu subestimei? Você me ligou e disse que só ia tirar uma unha solta...
-Foi.
- Está melhor?
-Lateja um pouquinho. Sempre se tiram lições das menores coisas.
-Também acho, mas passa a lição pra mim, não guarda pra você.
-Ninguém pode entrar em hospital público e sair a mesma pessoa. Mesmo que seja para arrancar uma mísera unha!
-Hospital público?
- Fui parar na emergência do HUAP.
-No HUAP, Rosi!
-.Você não conhece? Pois precisa! Pois é, fui lá e fiquei no meu canto, quietinha, esperando a minha vez, até que os acidentados mais graves fossem atendidos. Como era uma unha, coisinha à toa, esperei que eles fossem atendidos primeiro.
-Muito justo e nobre de sua parte.
-Tinha de tudo, estropiado, esfomeado, queimado, fraturado, gente em estado de choque, todos numa dignidade que só vendo, como se tivessem pudor, vergonha da dor.
-É mesmo, a dor parece que envergonha a gente, né?
-Pra passar o tempo, eu conversava com um e com outro, ouvindo suas tragédias, perguntaram quem eu era, eu dizia que era paciente também, era só uma unha solta, bobagem, logo resolvia, assim o tempo passou.
-Puxa, Rosi, isso me deixa até emocionada, nessas horas a gente conhece o quanto de solidariedade é capaz e o quanto a gente não a usa no dia a dia.
-Pois é. Imaginei a dor daquelas pessoas infinitamente maior que a minha, me sentia tão privilegiada por só ter uma unhazinha pendurada, era só arrancar e pronto. Até que o médico me notou.
-Aleluia!
-Mostrei o pé, “isso é uma coisinha rápida”, ele disse, e saiu. Pronto, imaginei que ia ficar mais umas quatro horas ali, mas que nada, ele voltou logo com uma injeção, daquelas!
-Xi...
-Era a anestesia local. Ele disse curto e grosso: “isso vai arder um pouco”.
- Ih...!
- Eu não tinha idéia do que queria dizer “um pouco”, minha amiga.
-E o que queria dizer?
-“Guenta firme!” Minha filha, ele levantou o meu pé no ar com firmeza e aplicou...
-sssss!
- Aplicou a injeção entre os dedos e na base da unha!
-Aii, aí você desmaiou, é claro!
-Pior que não, antes tivesse desmaiado. Perdi foi a dignidade, soltei um grito, um grito tão lancinante que sacudiu a sala, se bobear, ecoou pelo hospital todo.
-Rosi...!
-Sabe aquele grito incontrolável?
-Sei, já soltei um desses na montanha russa, pra nunca mais!.
-Pois é, esse mesmo. Antes ele tivesse arrancado a unha a frio.
-Capaz que até tivesse doído menos.
-Me senti a mais miserável das covardes, tantos estropiados! Vi as cabeças dos doentes se levantarem em minha direção. Uma reles unha, quem diria, diante de tanta tragédia humana!
-Que mico, heim?
-Logo me refiz, saí da maca e sorri amarelo para eles.Tudo que queria no mundo era não ser percebida.
-Mas foi, né? Não teve jeito.
-Fui, ao sair ainda ouvi a voz de uma velhinha muito doente, para mim: “melhoras, heim, minha filha!”.
-E você? -Agradeci, né, sou educada. Aí todos eles me desejaram boa sorte, em coro, com suas vozinhas fracas.
-Tem razão, minha amiga, nenhuma dor é tão pequena, nenhuma!
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