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19.4.10

Os óculos voadores





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Quando Cremilda entra, Rosilda comenta:
-Ô amiga, cheguei a ficar preocupada, não te liguei por que estava cheia de coisas pra resolver, cheguei tarde em casa...
-Não perdeu muita coisa , quer dizer, tirando que quase me perdeu...
-Aposto que você está exagerando.
-Na verdade exagerei, ah sabe aquele dia que você se olha no espelho e diz pra você: isso não pode continuar?
-Sei. Como sei!
 -Aí meti as malhas, o tênis e parti para o esforço intensivo para perder peso.
- Xi, já vi esse filme!
-Andei dez quilômetros driblando sinais, desviando  dos possíveis conhecidos que te param ...
-Maluca!...
-Suei tudo que tinha que suar, mas não recuei de meu objetivo!
-É assim é que fala.
-Não, fiz mal, não devia nem ter começado. Você é testemunha, fechei a boca de verdade, não comi doces,  nada que engordasse...
-Não na minha frente.
-Sério. Mas por Deus, Rosilda, por que o raio do ponteiro da balança não desce?
-Talvez você tenha esquecido alguma coisa.
-Não esqueci não, olhei pra balança e disse prá ela, "é guerra?" E fui à luta!
- Pelo jeito, perdeu logo no primeiro round!
-Nocaute. Depois dos dez quilômetros, não satisfeita, subi o prédio pela escada.
-O que? Os oito andares!
- Tava no pique, nem senti as pernas!
-Doida, fazer isso tudo sem condicionamento!
-Cheguei em casa, claro, com os bofes pra fora, entrei, não parei direto, sabia que ia doer, fiquei andando parada, o Boa me olhando feito besta, perguntando: chamo o Samu ou o Pinel?
-Não posso parar de pronto, eu disse ofegante,vi ele arrumado e perguntei onde ia.
-Uma bebemoração, o Cardoso, lembra do Cardoso? ele disse. "Se não for Fernando Henrique, não", respondi.E fui andando pra cozinha beber água, sempre no ritmo. Com medo da hora de parar.
- Tsc tsc tsc, dói demais..
-No banheiro senti o aperto na panturrilha. Tive que parar,e  e aí minha amiga... é que vieram as benditas dores musculares, corri pra sala e despenquei no sofá,  o Boa desesperado, tentando me aparar e dizendo "nãaaaao, não senta!"
- Por que?
-Queria que eu procurasse os óculos dele, acredita?
-Acredito. Ah se acredito!
-Pois é, agora que não tenho os meninos em casa, não fico mais catando as meias,  toalhas e  apetrechos deles ...mas tem o chefe, né? Tudo eu, tudo eu!
-Ahá, foi por isso que  você engordou! Só teve que catar as coisas de um só.
-Minhas pernas tinham virado dois paus. Era como estivesse dentro de uma armadura medieval.Uma Dona Quixota!
-Não é prá menos. Potássio é fogo!
-Eu disse pro Boa. Nada , nem  incêndio me levanta daqui, me traz mais um copo dágua, duas bananas e um relaxante muscular. Não exatamente nesta ordem!
-Hã, senti firmeza ...
- Ele veio, me deu água, as bananas, não achou o relaxante, é claro, perguntando "cadê os meus óculos?",  "sei lá", eu disse . Aí ele saiu puto pela casa, abrindo gavetas, batendo portas, até na geladeira olhou, não sei se desistiu...Ele foi virando um vulto, desaparecendo.
-Por que?
- Apaguei!
-Viu no que dá esforço intensivo?
-Quando desembaçou a vista, não sei quanto tempo foi isso,  lá continuava ele, de pé,  braços cruzados, me olhando, desbundado.
-Perdeu a bebemoração com pena de você...E nem chamou a ambulância!
- É ruim, heim?  Acredita que ficou ali, plantado, esperando eu dizer onde estavam  os óculos dele?
- Tsc, tsc, tsc! E achou?
- Sim, acredite.No fundinho do canto do  sofá mesmo.
- Tsc, tsc tsc, eu matava, e deu os óculos prá ele, afinal?
-  Não. Peguei e segurei bem firme, pensando no que fazer para aplacar a raiva. Ele tentou me tomar, se desculpando, que "cãibra era coisa normal",  mas a miopia dele o deixava inválido pra vida.  Isso tudo eu correndo dele  em volta do sofá.
- Uáu,  teve pernas?
- Descobri que nada como uma boa raiva pra recuperar as pernas..
- E no que deu?
- Joguei os óculos pela janela. Ele ficou vermelho de raiva .
- Vixe! E...?
- Não fez nada. Fiquei rindo pra cara dele. Saiu porta afora. Daqui a uns minutos escutei um vozerio vindo da janela.
- E o que era?
- Os putos dos óculos prenderam nos galhos da árvore e o pessoal do prédio pegou uma vara tirando eles.
- Que sorte!
- Conseguiram. Aí ele ficou me chamando pela janela: - Mildinha, Mildinha! - Quando fui olhar, ele sacudiu os óculos pra mim todo feliz e jogando beijinho.
- Cretino!E você?
-Eu?  Fiz nada. Só percebi uma coisa.
- O que?
- Minha panturrilha voltou a doer. Jurei que nunca mais procurar porra nenhuma  pra ele pro resto da minha vida.
- E vai cumprir?
- Vou. Nem que caia um raio sobre minha cabeça!
- Hum...sei como é.

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