Cremilda
e Rosilda viajam algum tempo caladas...
- O que
houve?
- Por que
está perguntando?
- Tá
esquisita. Você não fica calada por mais de cinco minutos,
Rosi...
- É, na
verdade houve algo sim, eu estava tomando coragem pra te contar...é
que... eu caí em tentação.
- Não sou
padre não, mas amiga mas é como se fosse, qual foi a tentação, afinal? Quebrou as
finanças nas liquidações?
- Não.
Antes fosse.
- Hum, já
vi que se arrependeu...
- Sim.. Vamos lá (Pigarreando), lembra aquele entupimento da pia de que
te falei?
-
Ha-hã...
- O
bombeiro apareceu.
- Normal...e daí?
-
Cremilda, quando abri a porta, me vi diante de um deus grego, fiquei sem fala.
Sabe, sabe... moreno de olhos dágua? Que encanador!
- Verdes?
- Verde-claros
- Já vi tudo, atacou o homem!
- Sim ...
Quer dizer, não imediatamente.
- Sério? Eu estava brincando!
- Você já
teve um impacto emocional absurdo, diante de um homem?
- Que eu
me lembre, foi quando vi Alan Delon aparecer em "O sol por
testemunha"(1). Mas conta.
- Estava
calor, primeiro ele tirou a camisa...
- Hum,
golpe baixo...
- Não,
ele foi educado, mandou um "se a senhora me permite"...
- Menos
mal.
-
Depois, agachado, debaixo da pia, desenroscando as peças, aquele dorso dourado,
aquele tanquinho, uma nuca linda, tenho um fraco por nucas
bonitas .
- Quantos
anos?
-
Beirando os cinquenta, eu acho.
- Ah,
idade do lobo!
- Amiga,
em seguida foi uma sequência de panaquices minhas, toda hora eu oferecia
água, café, coitado, e tome água e café, e papinho besta tipo "calor
hoje, heim"? Ele só levantava os olhos e sorria. Mais idiota eu,
impossível.
- Nessa
hora até café combina com calor... ficou enfeitiçada.
-
Enfeitiçada é pouco, fiquei possuída! Como se meus demônios
tivessem acordado, todos ao mesmo tempo!
-
Demônios não, Rosi, vamos combinar, hormônios! Hormônios
quando despertam é fogo!
- Aí ele
acabou o serviço, e levantou-se, alto, parecia mesmo saído de um livro do
Sidney Sheldon, só que muito suado!
- Será
que os homens de Sidney Sheldon ficam suados?
- Só sei
que o cheiro era bom, a energia, o clima, sei lá, tudo conspirava, ele
percebeu, devo ter corado, ele disse com certa malícia, me olhando com os olhos de água do mar: "vejo que a senhora
também está com muito calor", eu pingava por
todos os poros.
- E mais
alguma coisa.
- Pois é,
aí eu fiz a pergunta fatal...
- Qual?
-
"Você não quer tomar um banho?' Só que não foi num tom casual, foi...insinuante.
-
Tsc,tsc,tsc. Estou suando agora também.
- Aí ele concordou, peguei uma toalha, coração aos pulos, e ele entrou no box, aquela
escultura ambulante...
- tsc, tsc, tsc.E aí?
- E aí... E aí...
- Bingo,
você entrou também!
- Me aproximei. Ele me puxou com delicadeza, eu estava hipnotizada.
- ...
- Você
está chocada, não está?
- Hum... Acho que só um pouco besta!
- Pouco tempo, mas eterno enquanto durou
- Ufa!Que
loucura...
- Aí
acabou, fui pro quarto, troquei a roupa, melhor, vesti a razão,
vexada, enfim, sem saber como iria olhar pra cara dele. Vi pela
fresta da porta ele colocar as calças, aí reparei até que a cueca dele
era meio furrequinha... que vergonha!
- Da
cueca?.
- Não, de
mim. Meu mundo caiu, eu queria era voar pela janela!
- Entendo. Mas, quer saber, eu acho que eu nunca teria um momento assim.
Meus hormônios não querem nada ! Mas vai.
- Quando
voltei, ele estava de pé, na sala, sereno, com a valise na mão, cabelos
molhados, lindo, esperando, como se nada tivesse acontecido. Paguei, com dificuldade de teclar a senha.
-Imagino.
- E aí eu
virei pra ele, não sei se pra melhor ou prá pior e disse, sem olhar : "o
que aconteceu aqui foi uma espécie de acidente, tá?". Ele respondeu na
maior dignidade, "a senhora fica tranquila, tá tudo certo".
- Um
cavalheiro esse deus grego.
- Fiquei
com a sensação de ter traído a mim mesma.
- Vamos
combinar que foi , digamos, certo atraso acumulado?
- Não sei. Depois que ele saiu, chorei.
Chorei muito.
- Devia
ter me ligado. Mas relaxa. Por que não perder o juízo uma vez na vida?
-
Achei que isso só acontecia em bestsellers...
- Sinta-se então
uma personagem de Sidney Sheldon! E o nome dele?
- Ciro.
- Então
não era um deus grego, era persa!
- Agora
vem o pior. Fiquei com o nome e aquele rosto martelando na cabeça, até dormir.
De manhã, uma lembrança me acordou...
- E ...?
- Caiu a
ficha. Tinha sido um aluno meu, Ciro, adolescente, já chamava atenção pela
beleza, numa época em que andei dando umas aulas de reforço. O que
é a vida, né?
- Pra você ver. Às vezes a vida dá banho nos
romances.
- E literalmente deu um banho em nós...
[Suspiros]
-
Agora que te contei, me sinto aliviada.
- Sabe
que de minha parte ...
- Eu sei.
- ...
- Que foi?
- Escuta, você teria aí o telefone dele?
- Mas o quê, como assim, Cremilda! Você...!?
- Sim.
- Precisando de encanador?
- Não, é só pra ver como andam meus
hormônios.
- Ó...
(baseado em fato real)
______________
1. (1) Plein
soleil (O sol por testemunha) é um filme franco-italiano de 1960, do
gênero drama, dirigido por René Clément. O roteiro, escrito por Clément e por
Paul Gégauff, foi baseado no livro O talentoso Mr. Ripley de Patricia
Highsmith. e foi estrelado por Alain Delon (Wikipédia)
2.
A foto é do escritor norte-americano Sidney Sheldon
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