
- Qual foi a coisa mais estranha que te aconteceu?
- Nossa, que pergunta, xi, ´xô pensar, tenho que fazer um flash-back, afinal meu filme é longo.
- A minha foi bem recente. Agora, no réveillon.
- A última, né? Com você tudo acontece.
- Pois é. Você sabe que fui passar a virada na casa da prima Lívia, lá em Governador Valadares.
- Eu sei, e o que pode de mais estranho acontecer em Governador Valadares? Sabe que é a cidade brasileira que está na lista negra dos americanos por causa da emigração?
-Não...
- Corre boato que o Bush comprou a cidade, que é um protetorado americano, "Valladors Governor".
- É???
- Sacanagem. Os homens ainda estacionam os cavalos na praça? Eu mesma vi quando estive lá.
- Nada, é uma cidade enorme. Rica. Mas tem gente esquisita sim, e lugares esquisitos, como toda a cidade....Os homens adoram calça apertadinha. Mas a Lívia, com aquele jeitinho meio caipira, valadariano, no dia 31, resolveu me levar à casa de uma amiga dela que estava deprê, pra dar uma força.
- Que perspectiva de Ano Novo, heim?
- Pois é. Fomos de carro. Era num lugar assim, diria, bem esquisito, havia uma praça esquisita e tinha umas mulheres esquisitas circulando por ali...
- Tudo esquisito!.
- É. Enfim, paramos, atravessamos a tal praça esquisita, eu meio ressabiada de um cidadão esquisito se aproximar de nós...enfim, chegamos ao portão de ferro batido do sobrado velho da amiga. Parecia aqueles sobrados coletivos...
- Tipo casa de cômodos. Hum...
- É, meio que isso. Subimos uns dois lances de escada, de madeira, dessas que rangem. Ao chegar, lá a Irene, chama-se Irene essa amiga dela, uma mulher alta e desengonçada, descalça e descabelada, meio de porre, nos atendeu, com um copo na mão erguida, gritando entra, entra, moçada! Entramos.
- Estava sozinha a Irene?
- Calma. Lívia nos apresentou, a Irene ofereceu bebida, recusamos, havia uma mesa redonda arrumadinha com comidas e pratos de festa que pareciam do ano passado, sentamos um pouco em poltronas de veludo surrado, com morrinha de cachorro danada, e começamos a jogar conversa fora com ela, perguntei pelo cachorro, ela respondeu como eu sabia, ele tinha morrido, esqueceram de limpar, pensei, mas antes que eu falasse, de repente, abre uma porta nos fundos do corredor e surge de lá uma senhorinha franzina, de seus oitenta anos ou mais.
- E daí? Era só uma velha...
- Não, não era só uma velha. Detalhe, era um avelha que estava maquiada igual uma boneca de pano, sabe aquela maquiagem borrada de quem não enxerga? E envolta num casaco longo preto . E uma estola de pele de raposa nos ombros.
- Coitada, senil! Com esse calor!
- Senil sou eu! De repente, a velha me abre o casaco e o que vejo? As peles magras apertadas num espartilho vermelho, um short de seda e uma meia rendada preta. E uma mega flor vermelha no cabelo. Era o figurino.
- Isso é a própria visão do terror, tsc, tsc, tsc! E a Irene, o que ela disse?
- A Irene, visivelmente embriagada, só dava altas gargalhadas e dizia "não liga não, gente, a vovó pensa que é dançarina de can-can" - nós duas, pasmas, de queixo caído.
- Que bizarro!
- Bizarro, aí que a Irene resolve apresentar a vovó, e sabe qual o nome dela?
- Hum...
- Ro-sil-da! Vovó Rosilda!
- Hahahaha, desculpa, mas isso é engraçado.
- Engraçada foi minha vontade de correr dali direto prum cartório mudar de nome!
- O que a velha falava?
- Não entendi direito, embolava "u la la", 'Paris", "Moulin Rouge", umas palavras soltas em francês, e dava uns passinhos de Can-Can, cantarolava, uma voz cavernosa , apontando para o celular da Irene, e dizendo "foto, jeune fille, foto!" E ainda quis me puxar, com os dedos ossudos e gelados, pra dançar com ela.
- Mas vem cá: a Lívia não conhecia essa vó maluca da Irene?
- Não, diz ela que não. Sabia por alto de uma avó, nunca tinha ido à casa dela, por causa do bairro mal afamado. Só sei que, mesmo a Irene insistindo muito pra gente ficar, arrumamos uma desculpa e demos no pé rapidinho.
- E você não procurou saber mais nada de sua xará? Sua tia, sua mãe...vai ver foi mulher de negócios famosa na cidade.
- Não, há muito a gente não tinha contato com a ala mineira da família. A Lívia me disse que estava tão espantada quanto eu.
- Olha só, o lugar era estranho, a casa estranha... vai ver essa Rosilda aí é nome de guerra, né não?
- Você quer dizer ...a velha seria profissional? E a Irene, uma delas?
- Pode ser...
- Sei lá, a Lívia, mineira tão conservadora? Não sei...
- Uái, mineiro come quieto, Rosilda. Quem sabe ela não tem dupla personalidade ?
- Quer saber, nem me interessa, qual a graça explicar as doideiras desta vida? Prefiro achar que é só uma senhorinha senil, e a Irene, sei la´, simplesmente a Irene ri. Irene ri! ¹
- Mas a Irene não estava deprimida?
- Claro, mas com uma avó que usa espartilho vermelho e dança Can-Can, você queria o quê? Deprimida ou não, tem que rir, não tem não?
*Nota: Os fatos narrados aqui são reais, com os devidos exageros e as devidas mudanças de nomes e lugares, com perdão às menções a Governador Valadares (MG)
- Hum...
- Ro-sil-da! Vovó Rosilda!
- Hahahaha, desculpa, mas isso é engraçado.
- Engraçada foi minha vontade de correr dali direto prum cartório mudar de nome!
- O que a velha falava?
- Não entendi direito, embolava "u la la", 'Paris", "Moulin Rouge", umas palavras soltas em francês, e dava uns passinhos de Can-Can, cantarolava, uma voz cavernosa , apontando para o celular da Irene, e dizendo "foto, jeune fille, foto!" E ainda quis me puxar, com os dedos ossudos e gelados, pra dançar com ela.
- Mas vem cá: a Lívia não conhecia essa vó maluca da Irene?
- Não, diz ela que não. Sabia por alto de uma avó, nunca tinha ido à casa dela, por causa do bairro mal afamado. Só sei que, mesmo a Irene insistindo muito pra gente ficar, arrumamos uma desculpa e demos no pé rapidinho.
- E você não procurou saber mais nada de sua xará? Sua tia, sua mãe...vai ver foi mulher de negócios famosa na cidade.
- Não, há muito a gente não tinha contato com a ala mineira da família. A Lívia me disse que estava tão espantada quanto eu.
- Olha só, o lugar era estranho, a casa estranha... vai ver essa Rosilda aí é nome de guerra, né não?
- Você quer dizer ...a velha seria profissional? E a Irene, uma delas?
- Pode ser...
- Sei lá, a Lívia, mineira tão conservadora? Não sei...
- Uái, mineiro come quieto, Rosilda. Quem sabe ela não tem dupla personalidade ?
- Quer saber, nem me interessa, qual a graça explicar as doideiras desta vida? Prefiro achar que é só uma senhorinha senil, e a Irene, sei la´, simplesmente a Irene ri. Irene ri! ¹
- Mas a Irene não estava deprimida?
- Claro, mas com uma avó que usa espartilho vermelho e dança Can-Can, você queria o quê? Deprimida ou não, tem que rir, não tem não?
*Nota: Os fatos narrados aqui são reais, com os devidos exageros e as devidas mudanças de nomes e lugares, com perdão às menções a Governador Valadares (MG)
1 Composição de Caetando Veloso.
1 comment:
Agora toda vez que me DEPARAR com um espartilho irei me lembrar desse texto e se for vermelho,terei uma sincope,rsrsrs
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