- E aí,
amiga, que tal as férias, não me contou !
- ...
- Mas que cara é essa?
Cremilda
tira um cartãozinho de dentro da bolsa
- Férias, que férias? Até
sexta, eu estava nesse endereço.
- Que foi, separou ?
- Nada. Houve uma diáspora .
- Como
assim...diáspora? Deixa eu ver se entendi. Não, não entendi.
- Você vai entender.
- Uau! O que houve?
- Dei
férias pra Dôra.
- Normal. Patroa de férias, empregada de férias.
- Foi o que pensei.. Pois é, no final quem tirou mesmo férias foi ela.
- Por que?
- Sabe onde ela passou as férias? Te dou um doce.
- Um doce, hum...Na sua casa!
- Bingo!
- Mudou os planos.
- Sim e não, na verdade as férias dela estavam acumuladas, eu contava com ela pra ficar em casa, mas não de férias, né, como ia fazer tour pelo Rio...
-Claro.
-- Pois é, ela veio pra mim assim: "Dona Cremilda, não tirei férias ainda, sabe o que é, eu não tenho família e, se a senhora não se
incomodar, eu posso ficar por
aqui mesmo..."?
- “Por
aqui mesmo” é a sua casa. Tsc, tsc,tsc.
E o que você fez?
- Eu? Nada. Só me preocupei com o atraso das férias dela... Permiti.
- Tudo por
uma empregada!.
- É. Falou até que, se eu precisasse, ajudava em
alguma coisa, descontava estadia e tal...Olha que situação, eu disse ajudar não, tá doida ? Mas fiz ela declarar por escrito que, em razão de estar hospedada na minha casa, me liberava do adicional noturno, essas coisas da C.L.T. Orientação do Boanerges.
- Fez bem.
- Só que o Boanerges fincou pé. Queria ir pra um hotel, não ia ficar de ponte todo dia, interesse zero em tour pelo Rio, sabe né? Tampouco queria ficar em casa sem mordomia.
- Faz sentido...
- Sobrou pra mim
-- Eita! E que tal foi ter a Dôra como
hóspede?
- No inicio eu fechava os olhos e
mentalizava, “Dôra é minha
hóspede, Dôra é minha hóspede”, mas lá
pelo terceiro dia, começou a me dar um frio no meio da espinha, quando vi o que eu ia encarar, cesto de roupa enchendo, no outro dia a louça
subindo, no quinto, a poeira nos móveis, ela entrando e saindo de casa de canga, bom dia, boa tarde, boa noite, e eu,
toda cheia de dedos, pisando em ovos, pra não incomodar, quando ela estivesse no quarto dela.
- Que situação...
- Até aí
nada demais. Se pelo menos ela não ficasse às vezes com as botucas dela em cima de
mim, pra ver se eu fazia o serviço direitinho... Eu tinha que ficar na moral , porque eu, patroa. reclamava até dos farelinhos de pão na mesa...
- Pelo menos você viu o quanto você é exigente.
- E as incertas tipo "a senhora vai deixar a louça toda no escorredor, posso guardar?"´ "As garrafas dágua estão vazias" ou , "deixa aí a louça suja aí que eu lavo", coisinhas assim, como quem não quer nada, e eu respondendo toda
hora "Dôra, você está-de-férias ”! Um mantra!
- Viu, aí é que a gente vai se colocando no lugar do outro.
- O quê? Queria eu estar no lugar dela!
- Se ao menos ela fosse só pra
dormir...
- Nada! . Depois de chegar da praia, tomava banho, comia a quentinha dela, dormia, via as
novelas, todas, das seis, das nove! E o BBB, feliz da vida! Só saia pro forró, às sextas.
- Tá certa. Férias são férias.
- Segurei a situação por sete dias. No oitavo, arreguei, decidi ir pra um airbnb no Catete. E despachar os meninos. Queria sossego pra conhecer o Rio de Janeiro. O Boa tinha razão.
- Entendi a diáspora. E o tour no Rio?
- Adiei pela décima vez a ida ao Pão-de-Acúcar e ao Museu do Amanhã. Pra mim, esse museu é sempre amanhã!
- Justo, pode deixar sempre pra amanhã...
- Resumo, fiz uma trilhazinha na Floresta da Tijuca, fui ao mosteiro de São Bento, que não conhecia, fiz um sightseeing ligeiro pelo Rio histórico, Parque Laje, Largo do Boticário, feira do Lavradio, Lapa, Saara... só pra não perder todo o roteiro que programei. Não vou dizer que não foi bom, mas antes tivesse ido pra Salvador com você. Passeio para o Boa é passeio de carro. Fiz quase tudo sozinha, ele ia encontrar com os amigos. Pra falar a verdade, todos estavam felizes nessas férias, menos eu.
- E ela ficou sozinha?
- O Cris pra casa da namorada, os pais dela viajaram. Cacau quis ficar em casa.
-- E a
Dôra ficou livre-leve-solta com Cacau?
- Sim. Eu ia uma vez por
semana lá ver como as coisas andavam.
- Hum...
- Que foi?
- O
Cacau...
- O que é
que tem?
- Não
teve medo, não?
- De que?
- Hum, sei
lá, rolar alguma coisa...
- Da
parte do Cacau? Não ...
- Sei lá, da parte de qualquer um dos dois... Quantos anos ela?
- Vinte e
sete, vinte e oito ...olha aqui (mostra a foto dela no celular)
- Hum... Então,
minha amiga, você pode ter só trocado de
problema.
- Como
assim?
- De um trabalhista por outro de assédio.
-
Não, não... O Cacau é um cara muito centrado...não creio.
- Ô,
amiga! Dando um mole desses? Numa sociedade machista?
- . . .
- Já
pensou nisso?
- Hum, coisa ultrapassada. Patriarcal, fora da moda!
- Sei não. Sexo nunca sai de moda..
- ...
-O que
está pensando aí?
- Hum?
-O que
você, Dona Cremilda Tomé, está pensando?
- Quer
saber o que eu acho mesmo, Rosi?
- Quero.
- Sossego sossego a
gente nunca tem , né?
(Essa crônica é baseada em fato real)
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