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30.6.16

O Davi de férias

               Cremilda e Rosilda sentam-se à mesa do quiosque da praia

- Nossa, há quanto tempo não venho à praia...
- Raspinha do verão.Praia saideira.
- Acho ótima essa época, temperatura amena, praia mais vazia...
- O sol é uma carícia, não torra a gente.
- É verdade.
- Mas... o que é aquilo?
- Heim, aquilo o quê? Onde?
- Ali, Cremilda, segurando uma camisa preta e uma mochila no ombro, em frente ao mar!Uma visão!
- Hum, deixa eu por os óculos, nossa, aquilo é o Davi em pessoa¹!
- Disseste bem, um Davi esculpido em músculos!
- Não sei não, mas acho que ele percebeu a gente...
- Que mico! Tá olhando prá nós...
- Não só olhando, como vindo em nossa direção.
- Ai! Meu coração acelerou.
- O meu também, ele deve estar pensando "que coroas saidinhas!"
- Ai, tá chegando! Disfarça.
- Tarde demais, tá muito perto.
O jovem se aproxima das duas:
- As senhoras me permitem? Se não  fosse  incomodar, poderia deixar meus pertences um instantinho com as senhoras, e dar um mergulho, é possível?
As duas respondem em coro:
- Com certeza, fique à vontade...
O belo se afasta.
- Quantos anos terá essa obra-prima?
- De perto uns trinta, trinta e cinco, de longe menos.
- Viu o sotaque?
- Sulista da gema.
- Familiarizado com o mar, viu que estilo pra mergulhar?
- Que estilo que nada, que corpo! Você acha que eu estava sorrindo demais ao falar com ele?
- Estava.
-  Era de nervoso! Mas você também estava.
-  Viu, quando ele tirou os óculos, que olhos azuis ?
- Não, não reparei...Pst! Lá vem ele, o Davi de olhos azuis.
- Obrigada, senhoras, posso me sentar um pouco?
- Claro!
- Me desculpa, eu não sou aqui, estou de férias...
- Nota-se. Com a família?
- Não, não, sozinho, mas ao mesmo tempo de férias e trabalhando.
- Ah sim...?
- Eu sou estou fazendo uma pesquisa para a Diocese, uma espécie de censo...
- Pesquisador de diocese, que bonito! Qual ?
- Brusqui.Em Santa Catarina.
- Logo vi pelo sotaque. Ah, bonita Santa Catarina...
- Me chamo Gregório  e as senhoras como se chamam?
- Me Cremilda, ela Rosilda...rsrsrs
- Hahahaha muito prazer.
- Prazer, Gregório.
O jovem retira um aparelhinho com uma caneta acoplada de dentro da mochila.
- O que é isso?
- Um smartphone para pesquisa, tipo a do IBGE, conhecem?
- Ah sim, como o do recenseador...
- Pois é, meu instrumento de coleta de dados. Te incomodam de responder...?
- Bem...sobre?
- É sobre a evasão de fieis da Igreja Católica no país, as dioceses estão muito preocupadas com isso.
- Engraçado, não vi notícia sobre isso.
- Nem eu!
- É que está sendo feito em caráter um tanto sigiloso, mesmo assim, estamos com equipes espalhadas pelo país, eu escolhi o Rio de janeiro. Essas praias maravilhosas...
- Bem escolhido, entre um mergulhinho e outro...Garota de Ipanema, né?
- Hahaha, não não, mas... posso perguntar, a tua identidade , o dado pessoal não é revelado, te tranquilizem.

E assim, pelo menos por uma meia hora as amigas responderam à pesquisa, Gregório se deu por satisfeito e se ausentou  mais uma vez para dar outro mergulho, após convidá-las e elas recusarem.
- O que você acha desse Gregório?
- Além de lindo, é assim, uma delicadeza, uma doçura...
- Por isso que você não declarou que é ateia de carteirinha, entendi.
- Ah deixa pra lá. Tradição é tradição. E você, o que achou dele?
- Esse pesquisador...  ou é um grande farsante ou sei lá...
- Sabe o que achei? O olhar distante e compenetrado, nenhuma chama, pensou o que eu pensei?
- É... bonito, mas é mesmo, não é um tipo assim sedutor, visto de perto.
- Um jeitinho assim, angelical... Não sei se por causa da pesquisa.
- Gay, será?
- Gay, não diria. Minha intuição me diz, para ser mais exata, que ele é um...  padre!
 - Um padre de férias e saradão, lindo assim, não pode! Padre tem que ser gordo, careca e ter sotaque alemão! Esse malha todos os dias, aposto!
- Hahaha! Seu padre é dos anos 50, quando havia muitos padres estrangeiros.
- Vamos ao tira-teima, lá vem ele, você pergunta!
- Não, você.
- Tá bom, olha ele aí..
- Bom, senhoras, muito grato por tua colaboração, e por ter tirado de ti um pouquinho de teu tempo de lazer...
- Nada, padre.
- Ãhn...Haha. Perdoem, perdoem, senhoras, não revelei minha condição para não influenciar o resultado da pesquisa, estou certo de que as senhoras vão compreender. Hehe, agora se me dão licença...

O padre pesquisador se retira com uma mesura. Cremilda e Rosilda se entreolham.

- Minha intuição não falha. Se ele pensa que se passa por um homem comum...Viu como ele ficou vermelho?
- Pois é, ainda por cima acho que nasceu predestinado, se chama Gregório, não é nome de padre?
- De padre não, de Papa!
- Tirando a predestinação, eu só queria fazer uma pesquisa pra saber o que leva um homem lindo a ordenar-se padre.
- Olha, por esse eu ia até Santa Catarina assistir uma missa.
- Que pecado! Antes da descoberta do padre, cheguei a pecar por pensamento.
- E eu, senti até uma quentura!
- Subindo ou descendo?
-  Hahaha!Chegando em casa, mando uma rezinha e pronto, fico em paz.
- E eu que tenho que rezar em dobro?
- Em dobro por que?
- Porque sou casada, esqueceu?





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