Fobia e filosofia barata

Cremilda e Rosilda às vezes desfilam neuras e fobias. E alguma, digamos, filosofia.
- Fobia número um: barata! Sem concorrente!
- Eu não chego a ter fobia, tenho é nojo.
- Eu não, minha fobia chega à reverência. Eu me curvo, ante a “ilustríssima lady ortóptera onívora da família dos blatários”!
- Só você, heim?
- Sério! Estudei a árvore genealógica todinha da bicha. Desgraçada!
- Eta morbidez, heim?
- Falando sério, depois que Deus criou a mulher, criou a barata em seguida pra Eva e suas descendentes não se assanharem muito. Ele imaginou as mulheres gritando e logo disse: “façam-se as baratas!”, foi uma conspiração machista de Deus com os homens.
- Que isso...!
- Sério! Eu me vejo como a personagem da Clarice Lispector, catatônica e paralisada diante de uma blatária em “Paixão segundo G.H.” Você leu?
- Não...
- Entro em altos mergulhos existenciais, a barata é o nosso lado obscuro, nosso poço, nossa viela, nosso beco íntimo...nossas profundezas que ocultam a natureza perversa. Elas vêm do inferno, com certeza.
- Cruzes, para mim é só um inseto repelente.
- Não, é mais que isso. É tétrico! Criado com todo requinte, uma obra-prima da pestilência!
- Exagero.
- Eu me lembro da “Metamorfose”, do Kafka...Foi uma das leituras que mais me impressionaram, mais pela barata do que pela reflexão.
-Isso já é trauma. Freud explica.
- Certamente, na cabeça dele, o pavor feminino às baratas está ligado à penetração...
-Ah, tinha que ter pênis na jogada! Tio Freud não é fácil!
-E não é só isso, Além dela ter milhões de anos, é a única que sobreviverá à hecatombe nuclear, por causa de sua resistência. Palavra de cientista.
- Ninguém diz que uma simples chinelada e pronto, acabou-se!
- O Cacau diz que a natureza precisa desses bichos pra fazer o trabalho sujo, mas Deus exagerou na barata, não exagerou?
- Claro que não, o raciocínio de Cacau é perfeito.
- Sabe que eu proibía as crianças de caçarem lagartixa, porque ela é predadora da barata?
- É mesmo? Mas ela leva a melhor, a lagartixa é lerda, vamos combinar.
- Outro dia sonhei com uma revolta das baratas, que nem do filme do Hitchcok “Os pássaros”, milhões, milhões delas me atacando. Já pensou?
- Ainda bem que elas não têm sprit de corps, são trapalhonas e individualistas.
- O dia que descobrirem a força que têm juntas...Já imaginou, se se organizam? É o fim da humanidade, pelo menos da metade feminina.
- É, minha amiga, mas predador maior mesmo é o homem, Deus fez tudo certinho, aí vem o homem, esculhamba tudo prá vai deixar o mundo de herança pras baratas!
- Verdade.
- Não , não pode... Protesto! Que isso, não podemos pensar assim, tanto trabalho de criação, tanta coisa linda, a civilização, para deixar o mundo assim entregue a um serzinho asqueiroso e insignificante, não, Cremilda, essa não! O Senhor sabe o que faz.
- Quem sabe não foi um lapso, uma distração Dele? E aí o diabo deu uma mãozinha, com um risinho no canto da boca?
- Deus não comete lapsos, não pode!
- Agora, se eu pudesse escolher, bem que votava pelas lagartixas.
- Para que?
- Pra ficar com a herança do final do mundo. Não são simpatiquinhas?
- Cremilda, tá bom, mas vamos falar de outra coisa?
- Vamos. Que tal... ratos?