Total Pageviews

1.7.16

Tio Freud




Cremilda, logo ao entrar olha intrigada para Rosilda ao ver no colo dela um livro de Freud:
-Ué, reconciliada com Freud? Você não disse outro dia que ele já era e não sei mais o quê?
-Quem sou eu ! E depois outro dia não, isso já faz tempo, né, Cremilda!
-Hum...mudou.
-Olha aqui, O velhinho é imbatível.“O termo fetichista só se pode aplicar quando a pessoa exclui outras formas de prazer”...
-Desculpa a ignorância, mas isso é muito complicado pra mim. .Troca em miúdos, por favor.
Rosilda fecha o livro.
-Prá falar a verdade, tenho uma razão bem pessoal para ter voltado a ler o Freud.
-Hum, qual?
-Uma experiência fetichista.
-Não me diga! Tipo o quê?
-Passei o fim de semana na casa de Tia Eva, em Ipanema. Aí, conheci um cara.
-É mesmo, Rosi? Um cara, que bom! Onde?
-Num recital de jazz, no Arpoador.
-Mas e aí, onde entra o fetichismo?
-Vamos por partes. Sabe-se que vulgarmente fetichista é quem se sente atraído por um objeto ou uma parte bem esquisita do corpo de alguém, não sabe?
-Não, mas quero ver qual é a parte em questão!
-Calma! Como eu ia dizendo, o carinha era do tipo blasê, olhar  penetrante, deixa eu ver, sabe o olhar do Chê ? Tipo papo-cabeça, uns anos mais novo, não chegava a ser propriamente bonito...mas tinha algo que me botava num túnel do tempo, nos anos 70,sabe? Acho que era o cabelo grande e ensebado, a calça jeans rota, a barba mal feita...
-Cabelo ensebado. Eca, mas vá lá...
-Saímos do jazz e fomos para o Chaika. No caminho para meu carro, eu que estava de carro, ele não gosta de carros, diz que faz o gênero Nova York e não Los Angeles, só anda de taxi.
-Maluca! Botou um estranho no seu carro!
-A Norminha foi quem me apresentou ele como gente finíssima. Mas deixa eu contar. Descobrimos muitas coisas em comum. Desde comidinhas até diretores cult!
-Que maravilha!
-Estava perfeito demais para ser verdade. Era tudo que eu sonhava. Tirando que ele quase não sorria, sorria mais com os olhos, era tudo perfeito!
-Mas conta.
-Bom, ainda era cedo e fomos até o mirante do Leblon. Estava uma noite de sábado linda, fervilhante, , havia um perfume no ar, tudo conspirava para um grande caso!
-Que romântico!
-Tomamos uma cervejinha básica, com fritas...Foi aí que passada a primeira hora, a Besta que havia nele se revelou.
-Nossa! O que foi que ele fez?
-Pediu que eu mostrasse a ele, adivinha o quê ?
-Hum... A parte em questão.
-O pé, Cremilda, o pé!
-O pé...claro.
-Ele me pediu para mostrar o pé com tanta, digamos...volúpia, que eu, sem brincadeira, pensei que pé fosse o meu órgão sexual . E eu estava de sapato fechado, um  Ked’s. Ele disse, quase lambendo os beiços, “mostra o pezinho, meu bem, mostra...”
-Cruzes! E o que você fez?
-Fiquei sem ação, assim, no automático, obedeci, mostrei, né, mas calçado, lógico. Levantei o pé feito besta, e fiquei balançando prá ele no ar, como mostrando o sapato.
-Meu Deus!
-E foi aí que ele atacou. Segurou minha perna pela batata, arrancou o Ked’s, sem nem mesmo desamarrá-lo!
-Nossa!
-Agarrou o pé fortemente e tentou levá-lo à boca, querendo sugar meu dedo!
-Que horror, em lugar público! Ainda por cima exibicionista!
-Só sei que fiquei pedindo que ele largar, mas ao mesmo tempo, baixinho, morrendo de vergonha de chamar atenção, empurrando o tarado com o pé. E morrendo de raiva da Norminha!
-Eu também ficava com raiva, que bizarro!
-Bizarro? Pode imaginar eu me debatendo com um sujeito agarrado a meu pé, feito um caranguejo?
-Não, não posso. Como você se livrou do louco?
-Nem sei como arranjei força para abrir a porta do carona e empurrá-lo para fora, não me pergunte! Ele caiu, fechei a porta e arranquei com o carro, mesmo com um pé descalço, o sapato sumiu!
-Rá, vai ver coleciona  o tarado! Não me admira, outro dia li sobre um colecionador de calcinhas.
-Pior você não sabe. Quando relaxei, a umas dez quadras dali, me dei conta que a bolsa a tiracolo dele tinha ficado no meu carro.
-Rá! E você voltou lá, sevocê não voltasse, não seria a Rosilda! Eu jogava a bolsa pela janela!
-Voltei. Encontrei o cara no mesmo lugar, estava lá perto ainda com cara abestalhada, com o pé de meu sapato na mão. Quando entreguei a bolsa, é que ele sorriu pela primeira vez.. Mas não disse nada e me devolveu o sapato pela janela.
-Só faltava agora ser desdentado!
-Não, mas tinha um baita dente de ouro, desses que cintilam, bem na frente da arcada !
-Dente de ouro! Uau, tudo acontece com você, heim,  amiga!
-Quando cheguei em casa, coloquei o pé de molho horas, até passar aquela sensação  de violação. Depois liguei prá esculhambar a Norminha, e ela ainda morreu de rir, na minha cara. Que fetichismo é "coisa normal", que eu era muito "pouco liberada" e outras coisas mais.
-Vai ver a filha da mãe conhecia as taras do sujeito, né não? Agora entendo porque você se reconciliou com o bom e velho Freud...
Rosilda reabre o livro na página marcada:
-Foi. Olha só: “O fetichista estaria ligado à angústia de castração no homem diante de seres desprovidos de pênis. O pé feminino, associado ao falo, teria a função de desmentir a inexistência do pênis na mulher”, entendeu?
-Entender, não entendi muito bem não, mas verdade seja dita, ninguém como tio Freud  entende de sacanagem !

1 comment:

Anonymous said...

Amiga Sheila e muito dez esses seus artigos de Cremilda e Rosilda.
Parabens Tio Freud e bem interessante.Continue assim que vais longe.Beijus Nancy