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Sofia e suas companheiras

- E aí , Rosilda, finalmente trocou os óculos!
- Troquei, mas nem te conto, já me arrependi.
- Por que ?
- Acabei descobrindo rugas novas.
- Hum, Deus sabe o que faz. A gente vai perdendo a visão, o que os olhos não vêem...
- Pois é. E eu que pensava que só tinha a Sofia...
- Sofia? Quem é Sofia?
- É essa rugona no meio da testa, a da reflexão!
- E você ainda dá nomes às rugas! Sabia que você catalogava tudo, mas rugas...
- O que? Catalogo. Uma por uma. Só assim eu sei a quantas ando. Anoto no diário: “Hoje nasceu a Sofia”. São como filhas.Tem aniversário e tudo.
- Hahahaha!  O que mais você cataloga assim?
- Só as rugas mesmo. As estrias, varizes e celulites eu cubro. São deprimentes.
- Aliás, por que será que, por exemplo, não tem tanta ruga na barriga como tem na cara?
- Naturalmente porque a barriga não tem expressão. Já pensou? Barriga alegre, barriga triste...barriga de espanto, barriga reflexiva, barriga zangada...
- Ah, não, bem que umas barrigas têm expressão.  A do Boanerges, por exemplo, se eu fosse dar nome, seria barriga de chef, parece mais um avental. Mas, e as outras rugas, que nome você deu?
- As que eu mapeei, além da Sofia, são as Vitórias, as gêmeas, aquelas que vão da asa do nariz até as laterais da boca.

- O apelido é bigode chinês.
-  Sim, inseparáveis. Aliás, a Sofia é a única solitária. As outras só andam em grupo. 
- Você devia escrever uma teoria das rugas.
- Tem mais: as platônicas, as horizontais que se formam na testa e nascem do espanto. Depois, as Graças, muitas, fininhas, nos cantos dos olhos. As Volúpias, um conjunto de preguinhas, em volta dos lábios - discretas, você percebe quando a pessoa fuma ou faz biquinho...
- Um simples bico pode revelar todo o currículo de uma pessoa...
- E tem ainda as Fúrias, no canto inferior dos lábios. Todas gregas.

- Então, num exame rápido, cataloga as minhas, Rosilda. .
Pausa. Rosilda ficou olhando por um Cremilda por um tempo. Procura os óculos.
- Quer mesmo?
- Eu disse rápido, heim?.
- Bom...  - Coloca os óculos novos. E pega uma lupa.

- Lupa? Precisa mesmo disso?
- Precisa.
Outra pausa.
- Hum...

- Hum o quê?
-  Hum...Impressionante... -  Rosilda examina o rosto de Cremilda com minúcia.
Cremilda mexe-se na poltrona:
-Impressionante o quê?
-Tem umas espécies que ainda não cataloguei...
- Ai, ai...Pensando bem, deixa prá lá, prá quê, né, bobagem, ficar catalogando rugas...  Ruga é vivência!
- Não é não. Ruga é idade. Mesmo quem não tem vivência tem ruga. Vai mapear ou não? É pegar ou largar. É de graça.
Cremilda afasta a lupa da Rosilda.
- Quem sabe outro dia, essa luz do ônibus pode dar falsa impressão. Não pensa que estou fugindo da raia, não.
- Imagina!
Rosilda retira os óculos. Cremilda disfarça:
- Só você mesmo, heim Rosilda! 

- Ah as bolsas debaixo dos olhos, chamo de rugas-ganguru. Não achei nome grego.
-  Taí, Você podia ganhar uma grana com essa leitura. Fazer convênio com cirurgiões plásticos e tudo..
-  Deixa eu ver, se eu sou cirurgião, cobro mais pelas da Volúpia. Essa é conhecida  popularmente como código de barras.
Examinam-se mutuamente.
- É, Cremilda, agora que você está rindo, vejo que suas graças realmente estão muito, muito... digamos, salientes!
- E eu vejo que o seu forte são as platônicas...
-  Deixa prá lá. Sou conformada.
-O problema não são os outros, é a gente com o espelho.
-Pois eu digo que essa é  a parte mais fácil de resolver,
- Ah, é ? Não vai mais se olhar no espelho?
- Ora, Rosilda, é simples ! Basta tirar os óculos . Quer mais fácil?

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