Moda pra que te quero?

O dia está lindo. O ônibus passa pela praia de Icaraí.

- Ah quisera ter tempo pra fazer uma caminhada assim, olha quanta gente...

- Repara...

- O que?

- Aquela moça... de malha e meião!
- Onde?
- Ali!
- E não tem ela só não, nesse calor! Será que o meião é pra afinar as pernas?
- Moda. Moda não tem lógica.
- Não tem mesmo, outro dia eu quase puxei a manga da blusa de uma moça pensando que estava caindo no ombro.
- A moda-do-ombro-caído me dá um nervoso!
- E a tal da saruel? No meu tempo a gente chamava quem vestisse aquilo de pinto-calçudo!
- Adoro çalças largas, mas  essa tal de saruel é danada de feia...
- É mesmo.
- Não favorece, definitivamente não favorece!
- Só as de sempre, as muito magras.
- Ah sei lá, acho que elas ficam bem sem bunda de qualquer forma.
- E alça de sutiâ aparecendo, quer pior? É o suprassumo do mau gosto!
- Odeio também, alça aparecendo pra mim é  desleixo ad eternum!
- Pior é ir a qualquer lugar de havaianas.
-  Hã, pra mim havaianas só   praia e  padaria. A propaganda quer forçar a barra pra você usar socialmente, mas não rola .
- E quando a moda quer impor as cores?
- Terrível!
- Uma vez queria uma sandália num tom caramelo ou bege. Acredita que rodei todas as sapatarias de Icaraí e não achei? Era um ano, nunca esqueci, que a moda era amarelo, dourado, roxo - roxo, imagine - e pretinhas. Só escapavam as pretinhas.
- Tem que ter qualquer cor para qualquer gosto.
- Depois de cansada, mal-humorada de tanto andar, perguntei à vendedora,  - por que todas as lojas tem as mesmas cores? Aí ela respondeu : são as tendências!
- Tendências... quem manda nessas tendências? Algum Big Brother da moda?
- Os big-brothers da Alta Costura, mandam na roupa e complementos..e se propaga para a roupa pronta.
-Mas no cabelo a coisa é séria, nisso a mulher brasileira é escrava. Cabelo  longo!
- Acho que as pessoas na verdade querem mais é  ser iguais, quando o barato é você ser única, na roupa, no cabelo...em tudo.
- Mas tem a questão de público, a moda é direcionada a jovens. Jovens só querem ser diferentes desde que sejam iguais a outros jovens.
- Ainda bem que isso é passageiro.
- E nós?
- As coroas...

- Hahaha, solenemente ignoradas!

- Pois é, outro dia me aproximei de uma vitrine de sapatos pra senhoras, já viu sapato de loja pra senhorinhas, que coisa horrorosa?

- Deprimente.

- Pois é, aí a vendedora se aproximou e disse: - são todos anatômicos e super-confortáveis!- Como se conforto fosse igual à feiúra.
- É mesmo...
- Aí eu disse - por causa disso precisam ser tão feios?
- Poxa, Cremilda, ela deve ter ficado sem graça!

- Ficou, mas manteve a linha... A impressão que tive é que quando ela me olhou, imaginou todos os meus calos, joanetes e esporões.
- Hahaha, verdade seja dita, com certa razão, né?
- É como a indústria vê a clientela de mais idade. Pé de velha é feio, logo, sapato feio nelas!

- É... Moda, pra te quero?