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24.2.09

Instinto de colmeia (feriados)

Véspera de Carnaval. Ponte engarrafada. Cremilda e Rosilda filosofam dentro do ônibus, na volta do trabalho.

- Eu não disse?
- Disse. Mas sempre pinta aquela esperança da ponte milagrosamente fluir...
- É... e fico me perguntando: o que, nós, simples moradores, temos a ver com isso? Eu só quero ir para minha casa. E nem vou pra Região dos Lagos!
- Escolhemos uma cidade-corredor do turismo, simples assim. Tem gente que nunca, nunca mesmo entrou em Niterói nem  pra ver como  a cidade é.
- E nem é bom contar.
- Pois é. Se pudessem separar esse corredor do resto da cidade...Alô, alô, engenharia!
- Olha os felizes com suas traquitanas, cachorros e suas crianças. Que graça eles têm de ficarem cinco, dez horas em engarrafamentos?
- As zilhões de praias, acho...
- Aqui mesmo nós temos praias...
- Pois é. Dizem que lá falta água, faltam produtos, fica tudo apinhado, barulhento, bebedeiras, ambulantes, sujeira, assaltos, enfim...
- O fabuloso mundo urbano e suas neuras maravilhosas se transferem para os balneários.
- Deve haver uma compensação maior do que as praias...
- Vai entender. Um sociólogo diria que é o instinto de colméia. O ser humano, pelo menos o mediano, tem de viver apinhado. Não vê Olinda, Porto Seguro, Parati, Búzios?
- As metrópoles respiram melhor no carnaval. As pequenas transpiram, coitadas.
- Mas felizes, né, entra um dinheiro com o turismo e os moradores se divertem com as caras novas e o movimento. O pior é o barulho!
- Devem morrer de tédio o resto do ano. E gozam do fugaz inferno do carnaval.
- Pensando bem, as pessoas vivem e carregam seus infernos para onde vão. O inferno não são os outros, mas elas mesmas. Fogem de si mesmas.
- Filosofia uma hora dessas! Quem quer sossego?
- Talvez os que vão a retiros, hotéis-fazendas, coisas do tipo...
- Mas aposto que não  esquecem de levar  seus prozacs pra poderem sorrir honestamente pra foto.
- Quem deve ser mais feliz? O homem das grandes cidades ou do interior?
- Acho que o homem das grandes cidades no interior,  com data de retorno.
- Ou os homens das pequenas cidades nas grandes com data de retorno.
- Hahahaha. Tai uma coisa que daria uma boa pesquisa.
- As pequenas de cidades de férias e veraneio são mais ou menos como as amantes e prostitutas: servem só pra desfrute.
- É uma boa analogia... como elas, nos feriadões dão tudo o que têm, esgotam-se e depois são abandonadas.
- Cheias de dinheiro, e muitas com problemas adquiridos por este uso temporário. Com vícios e até maus hábitos da metrópole.
- Muitas até se preparam logo pra depois purgar culpas e pecados na Semana Santa.
- Pergunte quantos desejam ficar para sempre nessas cidades de veraneio?
- Deve ser a mesma proporção dos que trocam os amantes pelo parceiro de fé: bem poucos.
- É, e nós ou as pessoas como nós, as que ficam nas grandes cidades?
- Bem, eu diria que experimentamos um diálogo mais íntimo com elas ...
- Íntimo, é isso... Ela fica mais acolhedora, mais amiga e civilizada.
- Melhor então que se vão os infiéis. Não acha?
- Melhor, mesmo que por pouco tempo.
- Até que a ponte ou a estrada os tragam de volta.

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