Famoso anônimo

Cremilda senta-se na poltrona do ônibus com uma cara de quem tem novidade
-Já sei, conta. -Diz Rosilda.
-Se já sabe, não preciso contar.
-Mas você está louca pra contar, anda logo!
-É verdade.A última com o Boa.
-Coitado! Isso é casamento ou é rinha?
-Coitado nada, escuta só! Sabe sexta, que eu voltei pelas barcas?
-Sei.
-Pois é.Fomos ao Rio e marcamos encontro na Praça XV, na avolta. O  carro ficou na Praça Araribóia, pra depois a gente ir ao mercado, como sempre ...
-Hum
-Ao entrarmos na estação, havia uma lancha se preparando pra sair, você sabe que eu detesto pegar lancha saindo, eu sempre espero uma que está chegando. Gosto de ir sentada.
-Claro, conforto é tudo.
-Aí, precisava ver, ele ficou sacudindo a perna, estressadinho, e dizendo, “olha aí, Cremilda, dá tempo, vamos nessa”. Eu, não arredei pé, não saí do lugar. Sabe o que ele fez?
-Largou você. Sure!
-Sim senhora! Me largou com plantada em cima do flutuante, as pessoas me olhando!Quase me atirei no mar de vergonha.
-Eu me atirava.
-Mas os dez minutos até a chegada da outra lancha foi suficiente para eu me vingar.
-O que você fez?
-Fui à administração  e pedi para mandar um recadinho pelo alto-falante da lancha que ele embarcou:
-Não acredito!
-Mandei anunciar: “Atenção, Senhor Boanerges, a sua senhora, Cremilda Tomé, abandonada no flutuante, avisa que está embarcando para Niterói na lancha Santa Rosa”
-Nossa! E aí o que aconteceu?
-Não deu um minuto, toca o celular. Ele falou baixinho: “Que mico, Cremilda, que mico! Isso é coisa que se faça! Todo mundo na lancha caiu na risada!
-E você?
-Eu disse, mas qual o problema? Por acaso alguém sabe quem é o Boanerges? Hum...pode ser, só você mesmo tem cara de Boanerges.
-E ele?
-Disse que viu gente até cochichando, olhando pra ele, ainda bem tinha o jornal pra tapar a cara.
-Aí, eu perguntei rindo: que tal ser um famoso anônimo?
-E ele?
- Disse: Ah, é?- E desligou.
-Xi...vingança a bordo!
-Não deu dez minutos vem um torpedo também pelo alto-falante da minha lancha, que estava  quase chegando.
-Ai, que romântico, Titanic! Como foi o recado?
-“Atenção, senhora Cremilda Tomé. Seu marido, arrependido, pede desculpas, e manda lhe avisar que a aguarda ansioso na pracinha, em companhia do seu amigo Araribóia.”

-Hahá, não era na Praça XV?

- Ele disse que ia antecipar a volta.
-Rá-rá, que engraçado! E o povo, riu?
-O que? Você não tem noção! Eu fiquei na minha, mas meu coração disparou. De raiva!
-Ora, Cremilda, até que foi um torpedinho de luvas...
- Pois é. Quando cheguei, tava ele lá debaixo do Araribóia, sorriso grudado, com cara de quem levou vantagem. Ainda perguntou: “Que tal ser famosa anônima?”
-E você ficou séria?
-Claro, podia perder o moral? Aí eu disse: Não sei não, você deve saber melhor que eu.
-E ele?
-Disse: Vai dizer que as pessoas não riram do “marido arrependido”e "do amigo de Araribóia??
-Você?
-Eu sou lá de dar o braço a torcer? Eu disse, riram, mas aposto que riram muito mais da “esposa abandonada no flutuante”.
-E ele?
-Ficou teimando.”Um marido arrependido é mais engraçado, fala a verdade”. E ficou nisso, o meu foi melhor que o teu, o teu foi melhor que o meu.
-Eu acho que, no mínimo, ficou empatado, vocês não vão ficar sabendo nunca, não tem ibope na lancha...
-É mesmo.
- ...
-Fala a verdade, Cremilda, essas coisas é que fazem as delícias do casamento, não é?
-Pode ser, pode ser...