-Tanto assalto, desgraça, insegurança, não sei aonde a gente vai parar. Sabe que quase 80% das pessoas da cidade já foram ou tiveram parentes ou conhecidos assaltados?
-Falando nisso, deixa eu te contar, me aconteceu ontem um lance tipo táxi driver .
-Táxi driver? Conta isso, Rosilda!
-Quer dizer, mais ou menos...
-Conta aí!
-Ontem você sabe, saí mais cedo pra ir ao dentista, e peguei um táxi na estação das barcas pra voltar pra casa. E aí, quando fui dizer ao motorista para onde ia, ele disse assim: “Pode deixar, eu sei.”
-Rá, tá na cara, era um conhecido seu!
- Juro que nunca vi mais gordo.
-Mas claro que você perguntou de onde ele te conhecia e tal...
-Não, me deu uma coisa, eu tentava explicar, ele só dizia “pode deixar, dona, eu sei”. Aí eu deixei, paralisada!
-Peraí, Rosilda! Eu falava: “que mal lhe pergunte, de onde o senhor me conhece, como sabe onde eu moro?”, como assim?
-Deu branco, sabe quando dá branco?
-Não, nessas horas não me dá branco não,
-Pois é, mas deu.
-E ele estava indo pelo caminho certo?
-Certíssimo!
-Então era um fã, um admirador secreto! Era bonitão? Parecia com o De Niro, pelo menos?
-Aí é que está, é daquele tipo que você nunca presta atenção...meia idade, comum.
-Então foi isso. Não era nenhum De Niro, você não prestou atenção.
-Pois é, me deixei levar, sabe seqüestro consentido, ele me seqüestrando pra minha casa. Por via das dúvidas, fiquei coladinha junto à porta e com a mão na maçaneta, nunca se sabe...
-Hum...Tô vendo que não aconteceu é nada...
-Parece que ele sentiu minha aflição. Pra relaxar, de repente disse: “sou aposentado, mas não agüento ficar parado, sabe como é. Prefiro o stress da rua a ficar em casa lendo jornal. Na rua as coisas acontecem...” E eu de olho aberto no trajeto, nem piscava. Me lembro que pronunciei “é verdade”, tudo que ele falava, eu falava “é verdade”.
-Só você, mesmo heim, Rosilda!
- Aí ele continuou: “virei taxista e assim me divirto bastante”.
-E-ê, já pensou se era o Jack o Estripador, heim? E você, falou o que?
- Nada. Ri amarelo, nervosa. Aí fiquei disfarçando, comentando o trânsito, o tempo, essas coisas que a gente fala pra encher o vácuo, - sabe aquele vácuo? -minha imaginação bolando manchetes, me imaginei me jogando do carro em movimento, essas cenas de filme de ação.
-Rosilda, eu não acredito! Tá na cara que você não se jogou, não foi seqüestrada e nem teve os míseros quinze minutos de fama!
- Teve final feliz graças a Deus, mas a sensação de viver de verdade um thriller é impagável!
- Thriller, Rosilda?
- Um pouquinho de adrenalina não é nada mau de vez em quando, nè?
- Adrenalina??? Ninguém merece! E como acabou essa aventurazinha mixuruca, heim?
- Acabou em frente a meu prédio.
- Mais previsível impossível! Sem-graça esse teu suspense, heim, Rosilda? Cadê o táxi driver? Fala sério!
-E tem mais, quando fui pagar, ele não quis aceitar.
-Hum, aí já melhorou, virou filminho “cor-de-rosa”.
-Sorriu para mim e disse: ”Senhora, somos vizinhos ”!
- Que vergonha, heim, Rosilda, seu vizinho! Que vergonha! E o que você falou?
-Eu disse com a cara mais sem graça deste mundo:”ah,é?”
- Tsc, tsc, tsc! Papelão!
-Ele disse “eu vinha pra casa mesmo, não custava nada...” O pior não foi isso.
-Declarou-se! Vizinho apaixonado!
-Não, pegou minha mão e beijou o dorso, bem à antiga!
- Antiquado, mas tá bom, gentil...Você pelo menos sorriu, agradeceu, pediu desculpas e tal, pelo vexame...
-Eu quis me desculpar, mas acredite, mal deu pra eu gaguejar um “m-muito obrigado”, a boca não obedecia. Fiquei dando adeusinho, com um sorriso idiota nos lábios. Quando dei por mim, o homem estava entrando na garagem do meu prédio .
-Guardou a cara dele pra não dar mais mancada, pelo menos?
-Mais ou menos...
-Ô, Rosilda, a tua mãe não te ensinou a olhar por onde anda não?
-Ensinar ensinou, mas isso já faz tanto tempo...
-Deve ter muito tempo que você não vê Taxi Driver, heim, minha amiga? Nada a ver!
Nota: Taxi Driver, filme de Martin Scorcese(1976) relata a vida de um motorista (Travis) que sofre de insônia e Trabalha à noite em Nova York se oferecendo para trabalhar no turno da madrugada, dirigindo sem rumo pela periferia de Manhatan Observa Nova York de seu táxi e irrompe com violência contra o que julga ser a escória que contamina a cidade.